Há duas formas de ser labrego neste país. Uma delas é conhecida de todos. É a malta que nós vemos no Estádio da Luz; é o atrasado mental que tenho atrás de mim em Alvalade; é a malta do garrafão de cinco litros de tinto e do frango assado na praia. Só que eu, até porque frango assado e tinto são a minha cena!, tenho um fraquinho por esses labregos (menos o que se costuma sentar atrás de mim no estádio). São habitualmente pessoas decentes que por contingências da vida se viram limitadas nas suas escolhas e nos seus universos de referência. Depois há um segundo tipo de labregos. São os labregos que dirigem o Sporting ou os que têm pretensões a dirigi-lo. São de boa extracção, vestem gravatinhas de cetim verde, andaram nas melhores escolas de direito, economia e gestão e vivem algures entre Cascais e a Quinta da Marinha. Nem sequer vou entrar pelo campo da desonestidade, da acumulação primitiva e da violência a que sujeitam no dia a dia aqueles que com eles têm o azar de se ter de relacionar. Vou apenas dar um exemplo que reflecte a sua labreguice, ainda que alicerçada nas mais desenvolvidas teorias que sairam das áreas de estudo que frequentaram e que ancoram toda a sua visão do mundo, e que são ainda a única âncora dessa representação. Conhecimento técnico que incorporam sem utilizar dois neurónios. Alguns chamam-lhes tecnocratas (mas não eu!). O modo como a actual direcção do Sporting vê o futuro do futebol português e do Sporting, em particular, é ilustrativa.
Estes labregos olharam para Inglaterra. Viram que os estádios estavam a ficar cheios das chamadas classes médias urbanas. Esse grupo social compensa com dinheiro o que lhe falta em história. O futebol para eles é assim uma forma de turismo existencial, um passatempo entre outros. Um espectáculo a ser consumido ocasionalmente e em doses homeopáticas, com os devidos fins terapêuticos. Pensaram que em Portugal havia disto e começaram a gerir o clube de forma a chamar estas pessoas para o estádio. Pensaram em privatizar os clubes e começar a fazer dinheiro à bruta. Para isso acontecer tinham que retirar a "xungaria" das bancadas, que o desporto popular é giro mas o povo é que não. Foi o que aconteceu nos maiores clubes ingleses e que vai também começar a ser feito no Queens Park Rangers, por exemplo. Só que este plano tinha um problema. Esqueceram-se que estavam em Portugal, onde estas pessoas quase não existem e as que fazem parte deste grupo estão-se nas tintas para o futebol. Para dar um exemplo, compare-se o panorama mediático nos dois países em causa e em especial analisem-se as audiências e o estilo de um jornal como o Guardian, que se dirige a estas novas burguesias urbanas. O que uma análise superficial ao Guardian mostra é a existência de uma fortíssima cultura middle-brow. Uma cultura que consegue cruzar referências cultas e eruditas com gostos e práticas populares. Em Portugal não temos nada disto, por motivos que não cabe aqui desenvolver. As barreiras à mobilidade social, e uma histórica e até agora inultrapassável divisão de classe, levam a que os gostos das pessoas se segmentem em constelações de consumo que dificilmente se cruzam. Ainda assim o plano destes labregos tinha tudo para bater certo. Esqueceram-se foi que o segmento de mercado a que eles apontavam as suas baterias não existia. A xungaria saiu, é certo. Os outros é que não entraram; porque foram todos a Madrid ver a última exposição da Paula Rego, ou estão no Guggenheim Bilbau, ou ainda no São Carlos, ou se calhar no ballet Gulbenkian, ou...em muito sítio. À bola é que não vão. Os labregos esqueceram-se de fazer o estudo de mercado.
6 comentários:
Luizinho, um dos centrais com mais classe que alguma vez vi jogar. Mas que pelos vistos tb poderia ter sido plneador estratégico numa agência de publicidade.
Belo post.
ps: devemos estar sentados no mesmo lugar. Ou então tivemos o azar de nos calhar na rifa os dois maiores labregos do estádio.
Voces não deviam é estar sentados...deviam ver a bola de pé pois assim a prédisposição para apoiar a equipa é maior. de qualquer das formas, parabéns, o post está genial.
abraço
Caro 7,
Sector A10. Apareça um dia destes.
Vocês deviam é ser mais parcimoniosos nos elogios, se não qualquer dia destes ainda corremos o risco de sermos levados a sério.
Amanhã lá estaremos!
A4. Um bocadinho fora de mão portanto.
mas agradeço e retribuo o convite: lá para as minhas bandas há uma máquina com uns Kit Kats de gabarito. Dos melhores da cidade!
Abraço
Foi por pouco, só me falta viver entre cascais e a quinta da marinha, de resto até garrafão de vinho e febras levo nas férias. Tava a ver que era um duplo labrego.
Também te falta ser de boa extracção, desonesto, a parte da acumulação primitiva e do tecnocrata labrego. Basicamente só tens o curso e a gravata, o frango e o tinto. Ainda tens que comer muita fruta para seres um labrego à séria.
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