quarta-feira, 12 de março de 2008

Os labregos

Há duas formas de ser labrego neste país. Uma delas é conhecida de todos. É a malta que nós vemos no Estádio da Luz; é o atrasado mental que tenho atrás de mim em Alvalade; é a malta do garrafão de cinco litros de tinto e do frango assado na praia. Só que eu, até porque frango assado e tinto são a minha cena!, tenho um fraquinho por esses labregos (menos o que se costuma sentar atrás de mim no estádio). São habitualmente pessoas decentes que por contingências da vida se viram limitadas nas suas escolhas e nos seus universos de referência. Depois há um segundo tipo de labregos. São os labregos que dirigem o Sporting ou os que têm pretensões a dirigi-lo. São de boa extracção, vestem gravatinhas de cetim verde, andaram nas melhores escolas de direito, economia e gestão e vivem algures entre Cascais e a Quinta da Marinha. Nem sequer vou entrar pelo campo da desonestidade, da acumulação primitiva e da violência a que sujeitam no dia a dia aqueles que com eles têm o azar de se ter de relacionar. Vou apenas dar um exemplo que reflecte a sua labreguice, ainda que alicerçada nas mais desenvolvidas teorias que sairam das áreas de estudo que frequentaram e que ancoram toda a sua visão do mundo, e que são ainda a única âncora dessa representação. Conhecimento técnico que incorporam sem utilizar dois neurónios. Alguns chamam-lhes tecnocratas (mas não eu!). O modo como a actual direcção do Sporting vê o futuro do futebol português e do Sporting, em particular, é ilustrativa.
Estes labregos olharam para Inglaterra. Viram que os estádios estavam a ficar cheios das chamadas classes médias urbanas. Esse grupo social compensa com dinheiro o que lhe falta em história. O futebol para eles é assim uma forma de turismo existencial, um passatempo entre outros. Um espectáculo a ser consumido ocasionalmente e em doses homeopáticas, com os devidos fins terapêuticos. Pensaram que em Portugal havia disto e começaram a gerir o clube de forma a chamar estas pessoas para o estádio. Pensaram em privatizar os clubes e começar a fazer dinheiro à bruta. Para isso acontecer tinham que retirar a "xungaria" das bancadas, que o desporto popular é giro mas o povo é que não. Foi o que aconteceu nos maiores clubes ingleses e que vai também começar a ser feito no Queens Park Rangers, por exemplo. Só que este plano tinha um problema. Esqueceram-se que estavam em Portugal, onde estas pessoas quase não existem e as que fazem parte deste grupo estão-se nas tintas para o futebol. Para dar um exemplo, compare-se o panorama mediático nos dois países em causa e em especial analisem-se as audiências e o estilo de um jornal como o Guardian, que se dirige a estas novas burguesias urbanas. O que uma análise superficial ao Guardian mostra é a existência de uma fortíssima cultura middle-brow. Uma cultura que consegue cruzar referências cultas e eruditas com gostos e práticas populares. Em Portugal não temos nada disto, por motivos que não cabe aqui desenvolver. As barreiras à mobilidade social, e uma histórica e até agora inultrapassável divisão de classe, levam a que os gostos das pessoas se segmentem em constelações de consumo que dificilmente se cruzam. Ainda assim o plano destes labregos tinha tudo para bater certo. Esqueceram-se foi que o segmento de mercado a que eles apontavam as suas baterias não existia. A xungaria saiu, é certo. Os outros é que não entraram; porque foram todos a Madrid ver a última exposição da Paula Rego, ou estão no Guggenheim Bilbau, ou ainda no São Carlos, ou se calhar no ballet Gulbenkian, ou...em muito sítio. À bola é que não vão. Os labregos esqueceram-se de fazer o estudo de mercado.

6 comentários:

O 7 Maldito disse...

Luizinho, um dos centrais com mais classe que alguma vez vi jogar. Mas que pelos vistos tb poderia ter sido plneador estratégico numa agência de publicidade.
Belo post.

ps: devemos estar sentados no mesmo lugar. Ou então tivemos o azar de nos calhar na rifa os dois maiores labregos do estádio.

Anónimo disse...

Voces não deviam é estar sentados...deviam ver a bola de pé pois assim a prédisposição para apoiar a equipa é maior. de qualquer das formas, parabéns, o post está genial.
abraço

Luizinho disse...

Caro 7,

Sector A10. Apareça um dia destes.

Vocês deviam é ser mais parcimoniosos nos elogios, se não qualquer dia destes ainda corremos o risco de sermos levados a sério.

Amanhã lá estaremos!

O 7 Maldito disse...

A4. Um bocadinho fora de mão portanto.
mas agradeço e retribuo o convite: lá para as minhas bandas há uma máquina com uns Kit Kats de gabarito. Dos melhores da cidade!

Abraço

Yazalde disse...

Foi por pouco, só me falta viver entre cascais e a quinta da marinha, de resto até garrafão de vinho e febras levo nas férias. Tava a ver que era um duplo labrego.

Luizinho disse...

Também te falta ser de boa extracção, desonesto, a parte da acumulação primitiva e do tecnocrata labrego. Basicamente só tens o curso e a gravata, o frango e o tinto. Ainda tens que comer muita fruta para seres um labrego à séria.