sexta-feira, 23 de maio de 2008

Talhantes e retalhistas

Quem nos lê conhece a nossa posição relativamente à direcção e não apenas em relação às propostas que vão ser apresentadas à AG do clube na próxima reunião. Quem nos conhece também poderá julgar que o nosso NÃO!!!! se deve a uma certa "pureza" (se quiserem ser simpáticos) ou à nossa obstinação e fúria anti-projecto Roquette, em geral, e Soares Franco, em particular (se não quiserem ser tão simpáticos). Pois bem, o meu não em particular não se deve nem a qualquer purismo nem a qualquer obstinação. Outros defensores do "Não" têm colocado a questão em termos de "confiança". Para esta corrente a proposta é boa, simplesmente não existe confiança em quem a vai executar. Assim, o meu "não" não se deve também à falta de confiança da direcção de Soares Franco, antes pelo contrário; com esta direcção sei sempre com o que contar. O meu não deve-se ao simples facto de esta proposta ser má e até os seus defensores, sejam eles acérrimos ou moderados, serem obrigados a recorrer à desonestidade intelectual para defender as suas posições.
Apesar de para muitos a questão da Academia ser essencial, penso que não é. Pelo contrário, vai servir de lebre à aprovação do essencial para esta direcção. O problema da transferência da Academia do clube para a SAD é só um. A realização de uma eventual mais valia resultante de uma eventual venda dos terrenos onde a mesma se situa irá passar a ser repartida entre o clube (de acordo com a percentagem que tiver na SAD) e os accionistas, o que significa uma eventual perda de receitas futura, a troco de quase nada agora. O problema está neste quase nada.
O cerne da questão encontra-se no empréstimo obrigacionista (desculpem se falhar algum termo técnico, mas espero que percebam a ideia, que penso corresponder à realidade dos factos). Com este empréstimo de 60 milhões de euros o clube ficará daqui a 5 anos numa posição minoritária na SAD (com ou sem academia, com ou sem estádio, é outra questão). A única forma de evitar isto é aquilo a que alguns chamam "operação harmónio". Isto é, o clube acompanhar a parada (se quiserem podem pensar a partir da metáfora do póquer). Agora pergunto eu: quem é que está a ver o Sporting a ter 60 milhões de euros daqui a cinco anos para acompanhar um aumento de capital? E se estão a ver o clube a ter 60 milhões de euros daqui a 5 anos porque não pensar em ir abatendo gradualmente a divída até lá?
Podem-me dizer, como diz o João Pedro Silva, que as acções de classe A, garantem ao clube, mesmo que em minoria na SAD, uma palavra relevante em todas as decisões a serem tomadas. Aqui temos que distinguir duas questões: a formal e a operacional, se assim lhe quiserem chamar.
Comecemos pela operacional. Partindo do princípio que não vão ser os sportinguistas a subscrever 60 milhões de euros em títulos, teremos que imaginar que serão alguns poucos grandes accionistas. A quem interessa o clube? A minha resposta é bancos, empresas de comunicação social, empresários e potenciais empresários de jogadores, lavadores de dinheiro e empresas de construção civil. Qualquer um destes grupos e seus agentes terá agendas e negócios próprios que muitas vezes se encontrarão em conflito com os interesses do Sporting, que supostamente iriam passar a representar (veja-se o peso da Olivedesportos na SAD e os conflitos de interesses que daí resultam, apenas para dar um exemplo; não será por acaso que a Sporting Comércio e Serviços que neste momento controla as receitas de publicidade e de transmissões televisivas e que neste momento é controlada pelo Sporting também se poderá transferir para a SAD, caso os sócios dêem o seu aval a esta proposta). Qualquer agente ou instituição que subscreva um número suficiente de títulos não o irá fazer se não tiver qualquer tipo de garantia, por mais informal que seja, de que vai ter uma palavra importante nas operações de gestão quotidiana do clube. Ou então estamos a falar de imbecis, o que não me parece ser claramente o caso. Espero ter então resolvido a parte operacional.
O pior está ainda, no entanto, para chegar. Dizem os defensores da proposta que "Enquanto o Sporting Clube de Portugal for detentor de acções de classe A, terá sempre o controlo de gestão da SAD, o que é o mesmo que dizer que esta será governada pelos dirigentes do Clube, eleitos pelos sócios". Para rebater esta afirmação nada melhor do que me socorrer do leitor nsantos que comenta no post acima linkado

"O que diz a Lei

"Sociedades que resultem da personalização jurídica das equipas. Disposições particulares
Artigo 30.º
Participação do clube fundador
1 - No caso referido na alínea b) do artigo 3.º, a participação directa do clube fundador no capital social não poderá ser, a todo o tempo, inferior a 15% nem superior a 40% do respectivo montante.

2 - No caso referido no número anterior, as acções de que o clube fundador seja titular conferem sempre:

a) O direito de veto das deliberações da assembleia geral que tenham por objecto a fusão, cisão, transformação ou dissolução da sociedade e alteração dos seus estatutos, o aumento e a redução do capital social e a mudança da localização da sede;

b) O poder de designar pelo menos um dos membros do órgão de administração, que disporá de direito de veto das deliberações de tal órgão que tenham objecto idêntico ao da alínea anterior.

3 - Para além do disposto no número anterior, os estatutos da sociedade desportiva podem subordinar à autorização do clube fundador as deliberações da assembleia geral relativas a matérias neles especificadas.

4 - O clube fundador pode participar no capital social da respectiva sociedade desportiva através de uma sociedade gestora de participações sociais, desde que nesta detenha a maioria do capital social."

Na Lei não se encontra nada que diga que a SAD será gerida pelo Sporting.
O que a Lei fala é de poder de veto em AG. Pelas regras da CMVM quem tem maioria é quem governa."

Assim o Sporting poderá passar apenas a ter uma palavra decisiva nas "deliberações da assembleia geral que tenham por objecto a fusão, cisão, transformação ou dissolução da sociedade e alteração dos seus estatutos, o aumento e a redução do capital social e a mudança da localização da sede". Isto é, em nada. Isto é, o Sporting passa (por favor queiram-me acompanhar metáfora) do papel de primeiro-ministro (ou governo) da SAD para o papel de Presidente da República da SAD. A gestão quotidiana do clube pode, assim, passar, porventura, para as mãos de qualquer um sem que os sócios se possam pronunciar sobre o assunto a não ser que este diga respeito a fusões, cisões ou dissolução da sociedade (um bocado como o poder de veto e de declarar guerra do presidente da república, mas quem continua a decidir sobre os impostos, as estradas e o orçamento de estado é o primeiro-ministro). Podem, ainda assim, rebater dizendo que os sócios neste momento já não mandam grande coisa. Concordo. Mas por enquanto ainda temos o poder de convocar assembleias-gerais extraordinárias onde se pode demitir a direcção, e esta por sua vez tem um controle sobre a SAD. No futuro isso poderá não acontecer, e não acontecerá certamente (ou já se esqueceram das palavras de Soares Franco quando este dizia que queria um clube à inglesa - sem sócios).
Colocamos assim o rabo na boca da pescadinha. Se esta proposta for aprovada então é que não nos resta mais nada a não ser confiar que quem estiver no clube lá esteja para o beneficiar. Mas se assim não for temos que comer e calar. Podem-me chamar legalista e formalista, se quiserem, mas acho que prefiro confiar nos estatutos do clube e na racionalidade dos meus consócios (mesmo que discorde muitas vezes e violentamente de muitos) do que num tipo qualquer que eu nem sei quem possa ser. E isto tudo a troco do quê?

P.S. Dizer ainda que acho inacreditável como homens crescidos acreditam em histórias da carochinha. João Pedro Silva, responde a um dos comentários ao seu post com a inacreditável ideia de que, a propósito da participação da Nova Expressão (que não nos esqueçamos tem como cliente quase único a Olivedesportos) no capital da SAD que estamos "teoricamente perante uma posição sportinguista". E pergunto eu (para não ir para outros caminhos): e no dia em que a bolha bolsista (que Soares Franco disse no Pavilhão Atlântico ser responsável pelo estado das contas do clube), das dotcom, do imobiliário ou seja lá do que for (e se se lembrarem tivemos sete ou oito crises bolsistas de grande escala nos últimos 10 anos) rebentar e o senhor Baltazar tiver uma família para sustentar e tiver de eventualmente e contra o seu mais profundo desejo vender as suas participações na SAD do Sporting, acha que ele vai pedir o número de sócio a um potencial comprador?

1 comentário:

JG disse...

Partilho algumas das preocupações que aqui exprimes. Penso, até por isso, que esta proposta deve ser chumabada e os seus principios devem ser discutidos no tal Congresso.

O futuro deve ser resultado de uma reflexão do que queremos para o Clube e não de uma proposta desenquadrada de uma estratégia e dos principios que a maioria queira ver a instituição seguir!Seja ela a minha, a tua ou a da Direcção!

Uma nota, apenas. Partilho os princípios que exprimes, acho que as questões de fundo estão bem fundamentadas, mas acho que podias e devias ter evitado algumas bicadas no João Pedro. A posição dele está sustentada em princípios e é convicta! A tua é diferente, a minha também será diferente em muita coisa (será provavelmente intermédia entre as vossas posições) mas não devemos personalizar as questões porque somos todos genuínos naquilo em que acreditamos e no nosso sportinguismo!

De qualquer modo, em relação aos princípios que enumeras e à fundamentação, revejo-me em muita coisa. Não é só por isso que vou votar NÃO na 4ª Feira, mas também...

Alias, conto amanhã publicar no Rugido um post explicando todas as razões porque vou votar NÃO, que vos convido desde já a ler!