terça-feira, 12 de agosto de 2008
A monocultura do vazio
Por motivos profissionais aqui há uns anos fui obrigado a ler parte substancial da imprensa desportiva. E quando digo ler, digo ler desde a fundação até à actualidade. Nesses tempos, lutava com o meu colega de trabalho para saber quem é que ia ficar com A Bola, justamente intitulada durante anos como "o jornal de todos os desportos" ou a Bíblia do Futebol. Durante anos ouvi dizer que a Bola era o jornal português melhor escrito. Essa experiência de leitura não só o confirmou como me colocou na desconfortável e um tudo nada sentimental posição de ter saudades de um tempo que não vivi. Tratava-se de facto de um jornal monumental. Arrisco mesmo a dizer do melhor que a humanidade já viu. Não apenas a nível de escrita, como pelo próprio papel que desempenhou no desenvolvimento do desporto, sobretudo futebol, ciclismo e hóquei em patins, colocando-o ao mesmo nível da arte ou da ciência. Era de facto um jornal especializado, apaixonado por desporto e com um importantíssimo papel político que não cabe aqui desenvolver. Isto para dizer à semelhança do Cherbakov também eu deixei de dar para esse peditório, dado que o contraste com o passado que vim a conhecer tornou o presente insuportável. No meu caso já faz alguns anos, com intervalos ocasionais, que se observam exclusivamente quando não consigo ver os jogos do Sporting. De resto a Bola, como o Record e o Jogo tornaram-se prostíbulos, no duplo sentido do termo. A luta de audiências a isso obriga, mas a subordinação absoluta aos interesses instalados à volta do futebol, que vão desde os clubes, aos dirigentes passando pelos empresários, apenas de forma muito generosa permite que se possa continuar a tratar a imprensa desportiva como qualquer coisa que se aproxime do jornalismo. À vacuidade absoluta da imprensa no terreno do futebol (veja-se, para não ir mais longe, a questão do apito dourado) junta-se também o desprezo às outras modalidades, e até mesmo a tudo o que seja futebol e ultrapasse a esfera dos três grandes. Temos assim três pasquins que nem sequer se dedicam à monocultura do futebol. Dedicam-se simplesmente à monocultura do vazio. Aqui, como noutras áreas, a única possibilidade de mudança está no poder dos consumidores dizerem não.
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1 comentário:
No caso apito dourado - só para citar um exemplo bem conhecido - esses jornais (ou melhor, jornalistas) foram uma vergonha, contribuindo zero a nível de investigação jornalística. É de facto uma pobreza. Mas relatam sempre que o Quaresma fez uma tatuagem nova ou o Ronaldo arranjou outra madame.
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