segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Híbridos

À semelhança do que acontece em muitas outras áreas, a mercantilização e comercialização do futebol português é um processo em curso mas também um híbrido legal e moral que tanto abre algumas possibilidades de resistência como por outro lado não permite mimetizar aquilo que observamos noutros contextos, obrigando à invenção de soluções originais. A criação de associações de adeptos de clubes é um desses casos. Por isso vale a pena perder algum tempo a pensar na criação por parte da Ofensiva 1906 de uma Associação Independente de Adeptos do Sporting Clube de Portugal, e discutir algumas das ideias que têm sido propostas pelos King Lizards.
Antes de mais é necessário ter em conta que se trata de um importação vinda de Inglaterra, contexto onde estas associações fazem todo o sentido. A génese do campo futebolístico inglês encontra-se na comercialização do futebol e na sua divulgação por parte das entidades patronais, com o objectivo de controlar os tempos livres das classes trabalhadoras. Neste contexto, e ao contrário do que se passa no Sul da Europa, os clubes ingleses nunca foram empreendimentos associativos mas sim propriedade privada de empresas ou indivíduos particulares. A mercantilização acelerada do jogo nos últimos anos levou a que florescessem as associações de adeptos na Ilhas Britânicas. Associações que procuram garantir a representação dos adeptos nas Boards dos clubes. Em Portugal a mercantilização do jogo fez-se por portas travessas. Foram os próprios clubes, isto é associações de adeptos, que resolveram criar um instrumento de gestão, as SAD's, no sentido de angariar investimento e potenciar novas formas de gestão. Os clubes continuam, porém, a ser detentores da maioria do capital das SAD's e mesmo que o não sejam a sua representação estará sempre garantida. A criação de associações de adeptos torna-se assim redundante, na medida em que são as direcções dos clubes, representadas nas SAD's que representam os adeptos. Os clubes, por sua vez, através da criação das SAD's tornaram-se numa aberração. Por um lado, instituições de utilidade pública de natureza associativa e democrática. Por outro, corporações que visam a maximização do lucro. A criação de associações de adeptos neste contexto é insustentável na medida em que, volto a repetir, é a direcção do Sporting que representa a vontade dos adeptos na SAD. O problema é esse: a representatividade da direcção. A criação de diversas correntes de opinião dentro do clube não deve por isso ser feita de modo a mimetizar o modelo inglês. No caso do Sporting a luta deve servir para garantir a representação dos adeptos não apenas através da direcção mas na própria direcção, nomeadamente através do Conselho Leonino. Trata-se assim de desnotabilizar o Conselho Leonino e permitir a participação da "sociedade civil" leonina no mesmo; dos núcleos, dos Leões de Portugal, das claques e demais organizações que devem, por sua vez, tornar claro quem representam (coisa que não me parece de todo evidente no caso da Ofensiva 1906). As associações de adeptos que verdadeiramente interessam no caso português, e apesar de "existirem seis milhões de portugueses a mais", são aquelas que consigam reunir todos os adeptos de futebol. E aqui incluo não apenas os sócios dos clubes mas também os simples adeptos e os consumidores de futebol televisionado. É no aprofundamento da representatividade do Conselho Leonino (no caso do Sporting) e na criação de uma associação de adeptos de futebol (que deveria lutar por uma participação efectiva na FPF e na Liga de Clubes) que reside a possibilidade de democratizar o futebol português e impedir que seja sequestrado por uns quantos empreiteiros e magnatas nos media.

11 comentários:

Anónimo disse...

A questão é que os interesses dos adeptos estão cada vez menos salvaguardados, já para não mencionar os dos sócios. Que voz têm hoje os sócios dentro do clube? Por isso, parece-me uma boa ideia existir um grupo qualquer "independente", desde que não seja manietado por ninguem.

Luizinho disse...

De acordo. Agora imagine um cenário: todos os sócios e adeptos do Sporting juntam-se à Associação Independente de Adeptos. E depois? Se a Ofensiva já existe como um movimento organizado que defende determinadas opiniões porque não apresentá-las em sede de Assembleia-Geral? Porquê a necessidade de uma associação independente de adeptos? Existe alguma associação dependente? O problema aqui é que se perde demasiado tempo a imitar exemplos de outros países, quando esses mesmo adeptos nos andam a imitar a nós. Veja-se os Estatutos do United of Manchester e as suas fontes de inspiração. Mas não perco a esperança. Pode ser que um dia alguém se lembre de imitar os que nos imitam e aí toda a gente, incluindo eu, ficará satisfeita.

Anónimo disse...

És ingénuo se pensas q só atravès de assimbleias gerais ou eleições é q se resolvem os problmas dos adeptos do scp e como as claques (assiciações) estão é preocupadas com o seu beneficio proprio... quem + poderia ter pulso forte e poder de revindicar se não uma forte associação?
Háq passar das teorias ás praticas!

Luizinho disse...

Devolvo a pergunta. Então e em que medida é que se pode pensar uma intervenção no clube fora do período das eleições e das assembleias-gerais? Será que vejo aí uma teoria da tomar de poder pelas armas?

Anónimo disse...

cito parte do cominicado da ofensiva 1906:

"1- Definição e implementação da “Associação Independente de Adeptos do Sporting Clube de Portugal”, com as seguintes linhas estratégicas:

a)Defesa intransigente dos interesses dos sócios do Sporting Clube de Portugal;
b)Estabelecimento de canais de comunicação directos com a direcção do Clube, através de reuniões com periodicidade regular;
c)Independência total referente a “candidatos” ou “candidatos a candidatos” em qualquer situação (eleições);
d)Manutenção do ideário do Clube e transmissão dos seus valores e fundamentos;
e)Organização de eventos para debate de ideias com sócios do Clube;
f)Ser capaz de gerar receitas próprias para aplicar apenas e só na manutenção da sua actividade (publicações, organização de eventos, etc);

2 - Manutenção das Relações Internacionais institucionais, com grupos de adeptos europeus com caracteristicas similares.


3 - Participação no Congresso Europeu de Adeptos, a ter lugar em Londres no 1º semestre do corrente ano, a convite da Federação Inglesa de Supportters.

4 - Preparação da reunião com a UEFA, já em fase de agendamento, com a presença de Michel Platini e David Taylor, respectivamente Presidente e Secretário-Geral, no âmbito da problemática inerente ao Futebol Moderno no que concerne às preocupações dos adeptos em geral."

Eu acrescento: trazer a "luta"/apoio para a bancada.

No fundo é algo q a ofensiva já vem fazendo só que de uma forma + abrangente, envolvendo + gente fazendo disto não uma luta de 4 ou 5 mas sim de 4 ou 5 mil ou 40 ou 50 mil... o q for!

Luizinho disse...

O único ponto verdadeiramente útil que vejo no comunicado é a "Manutenção das Relações Internacionais institucionais, com grupos de adeptos europeus com caracteristicas similares." Mas mais uma vez noto a total ausência de referência a quaisquer coligações com adeptos de outros clubes portugueses, com quem apesar da rivalidade não deixaremos certamente de partilhar preocupações. Por outro lado, e apesar de estar de acordo, substantivamente, com o que vou lendo da Ofensiva não deixo de notar um anti-lampionismo primário que não lhe fica especialmente bem. Quanto à abertura de canais de negociação permanente com a direcção do clube não estou minimamente interessado em substituir uma vanguarda por outra. A luta deve ser pela democratização do Conselho Leonino, por um aprofundamento do papel de todos os sócios nas assembleias-gerais e pal implementação de uma política um homem/um voto. Sobre a reunião com o Platini acho que é demasiado pataqueiro e provinciano para merecer qualquer comentário. Para concluir, e como já referi noutra posta, não me parecem de todo claras as relações que a Ofensiva mantém com a JL e o próprio funcionamento da Ofensiva, demasiado opaco para ter qualquer pretensão em representar seja quem for que não ela própria.

Anónimo disse...

Não sou da ofensiva, não sou da jl, contudo sou um bocadinho anti-lampião primário.
De qualquer das formas posso-te dizer q em portugal a anica associação de adeptos q verdadeiramente existe (sem contar com as claques) é a associação "vitória sempre" do Guimarães que tem feito coisas fantasticas ao nível da motivação e galvanização dos adeptos desse clube.

Concordo q uma associação de adeptos de portugal seria muito importante talvêz até + de q uma do SCP... como não há ou a q há é como se não houvesses, comecemos nós por dar o exemplo.

ps. num contexto de defesa dos adeptos não me fazia especie nenhuma um entendimento com a lampionagem. Até já os defendi públicamente quando surgiu a polemica em torno da não legalização das suas claques.

abraço

Thakrar disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luizinho disse...

Eu mantenho as minhas dúvidas. Sendo os clubes associações de adeptos por definição de que é que nos servem associações de adeptos que se apresentam enquanto tal? uma coisa são os núcleos, as claques, etc, e até mesmo a ofensiva se poderia enquadrar um estatuto deste género. Um pouco à semelhança do que vamos observando nos partidos políticos: as correntes de opinião. Outra coisa é a tentaiva de importar o modelo inglês que emerge de uma situação histórica específica que não tem correspondência no caso português. Penso que esta discussão embora correndo o risco de se tornar nominalista, no sentido em que estamos todos a falar da mesma coisa mas dando-lhe nomes diferentes, acaba por reflectir posicionamentos diferentes face ao processo de mercantilização do futebol e dos clubes em Portugal. Daí a minha estranheza pela iniciativa da Ofensiva, na medida em que revela que estará mais preocupada em intervir no quadro da SAD do que do clube.

Anónimo disse...

É a tua opinião q respeito e q até tem algum fundamento, a minha é de q algum tem q ser feito no terreno para alem das assembleias e eleições...e como 50 têm mais força q 5... unamo-nos.

paulinho cascavel disse...

«Trata-se assim de desnotabilizar o Conselho Leonino e permitir a participação da "sociedade civil" leonina no mesmo; dos núcleos, dos Leões de Portugal, das claques e demais organizações que devem, por sua vez, tornar claro quem representam (coisa que não me parece de todo evidente no caso da Ofensiva 1906).»

Luisinho, a tua análise está correcta quanto à forma. Mas o que mais nos interessa saber é sobre o conteúdo.
Falando do Sporting, se o caminho passa por adicionar/substituir ao actual senado de modelo aristocrata um órgão (constituído por plataformas associativas) que seja, de facto, representante dos sócios e sportinguistas na direcção, então, e porque não uma associação de adeptos independentes que abarcasse todas estas associações (claramente identificadas de quem/o quê representam e também, porque não? aqueles “sem cartão de identificação” que se revejam nas linhas orientadoras)?
Caso não seja esse o entendimento da Ofensiva, então limitar-se-ão a ser uma associação que representa unicamente eles próprios como o disseste. De apenas uns 4 ou 5 como disse o Pedro-tantum. Ou de uma velha guarda qualquer da JL como diram alguns. Neste caso isto seria uma manobra de maquilhagem envolta numa qualquer estratégia de aquisição de poder que perfaz um cenário demasiado estéril para ser credível.
Não estarás a dar demasiada relevo ao lado 'desconhecido' da iniciativa do que ao lado conhecido da 'iniciativa'?
Porque dizes que a Ofensiva «estará mais preocupada em intervir no quadro da SAD do que do clube.»? Não percebo tanto desprezo pelas restantes linhas estratégicas. Sem ironia.
Como diz o Veloso tripeiro “é muito mais aquilo que nos une, do que aquilo que nos separa”.

Falando da associação de adeptos de futebol, custa-me imaginar uma tal criação que rompa do nada sem partir da conjugação de vários grupos/associações de clubes já constituídos, do qual este passo poderá ser decisivo. Não me parece possível nem desejável que sejam as claques oficiais os pioneiros da coisa. Caso contrário... bem nem vale a pena lembrar os tremendos abortos que foram associações de adeptos de futebol que por cá se "fizeram" .