terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

De Iordanov a Niculae




Escreve o Paulinho Cascavel: "o Sporting somos nós". Que tenha de ser um tribunal a dizer isso à direcção "uma hora por dia" é significativo. Um clube sem memória (e, já agora, o futebol sem memória), é a negação daquilo que existe de mais básico e instintivamente apaixonante na nossa relação com um símbolo e um equipamento (isto a priori; posteriormente, sabemos explicar ponto por ponto porque escolhemos o Sporting e não outro qualquer).
O futebol é memória. Vivemos e sofremos e presente, mas filtrado por tudo o que o antecedeu: o golo do Cherbakov ao Beira-Mar, a bola a percorrer a linha de golo no jogo contra o Real Madrid, rematada pelo Juskowiak, o futebol bonito do Jozic, que acabou em 4º lugar e quero lá saber disso que as noites em Alvalade eram magníficas, o Iordanov a pôr um cachecol no Marquês, na sua última época, no ano em que terá jogado uns míseros três jogos, mas todos sabíamos que aquele campeonato era tão dele quanto do Acosta, do Schmeichel ou de nós todos cá em baixo.
Andar com guerrinhas em tribunais, com o argumento que o Sporting não é uma casa de caridade e que judicialmente a razão está do lado da direcção, pode ser inatacável em termos legais (por acaso, como hoje se comprova, nem isso), mas é, moralmente, um atentado ao Sporting, àquilo que é e ao que queremos que seja. O que, por portas travessas, me leva a outra questão.
No ano em que Peseiro e a direcção afastaram cobardemente Pedro Barbosa e Rui Jorge, dois jogadores que teriam de obrigatória e naturalmente acabar a carreira em Alvalade, forçámos Marius Niculae a sair. Mais uma vez, imperativos financeiros, legais e demais tretas muito racionais foram invocadas. Que tinha um ordenado altíssimo que teria de ser reduzido a um terço, se não me trai a memória, que o Sporting já tinha gasto muito dinheiro com ele sem retorno desportivo, culpa das prolongadas lesões.
Niculae chegou ao Sporting com 21 anos e, além de bom jogador, era daqueles que considerávamos inequivocamente dos nossos. Ora, é com os nossos que se faz uma equipa. Os nossos não são mandados embora por pouco justificável imperativo financeiro, não se põem os nossos em tribunal sem nos perguntar se é isso que queremos. Iordanov, quer se realize ou não o jogo de homenagem, não será apagado da memória com que se constrói um clube. Niculae, infelizmente, não teve essa hipótese. Anda a marcar golos pela Escócia, num clube que não é o dele, enquanto nós vemos o Purovic sem o compreendermos e perguntamos quem é aquele Bonifácio Kiwi (ou lá o que é) que andou perdido no Restelo.

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