sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Uma questão de personalidade

"O pior que pode acontecer a uma equipa é perder o seu carácter". Assim começa o artigo de Bruno Prata na edição de hoje do Público. A foto que o acompanha, captada no preciso momento em que a bola sai disparada, do pé esquerdo de Vukcevic, em direcção à baliza do Setúbal, mostra dois defesas assustados, os deles, e um jogador, o nosso, a "mostrar quem manda" com autoridade e elegância. Desde que a fotografia foi inventada sabemos ser arte que, inadvertida ou propositadamente, ilude facilmente a realidade. Quem nunca dedicou muito tempo a pensar nesta questão, tem o jogo da Taça da Liga entre Setúbal e Sporting e a foto correspondente para tirar as suas conclusões. Eu, porque não "vi" o jogo, não o posso fazer.
A televisão esteve ligada, mas sem som e com reduzida capacidade de concentração da minha parte. Que nem o aperceber-me, algures na segunda parte, da entrada da criança Paez para substituir o poste montenegrino tenha originado um despertar esperançoso numa epifania, é sintomático. Quem escreve estas linhas rejubilou com a primeira entrada em campo de Ouattara, acreditou até ao quarto jogo em Cesar Ramirez e esperou ansiosamente pelo momento em que pudesse finalmente ver em campo Rui Dionísio, avançado que Sousa Cintra contratara ao Montijo seguindo a lógica metafísico-eufórico-cabalística que guiava todos passos do grande presidente sportinguista: Paulo Futre saiu do Montijo para Alvalade e era avançado; Rui Dionísio jogava no Montijo e também jogava perto da grande área. Por deus!, Que mais observações, que mais sinais eram necessários? (mantém-se como um dos mistérios insondáveis do futebol português como pôde o bom do Dionísio contrariar tamanha boaventura cósmica e escapar à consagração como um dos maiores futebolistas da história sportinguista).
Acontece, portanto, que nem o jovem Paez me despertou a atenção, que a televisão se manteve silenciosa até ao final e que a derrota no jogo da Taça da Liga me abalou muito pouco. O pior de tudo isto é a percepção clara de que tal estado de espírito não está directamente relacionado com os maus resultados, com o atraso para o Porto, etc, etc. As razões são mais profundas - quem, como eu, nasceu em 1977 e começou a ligar a sério a futebol quando Jorge Gonçalves se preparava para assaltar a presidência do Sporting, conviveu de perto e durante muito tempo com uma tendência crónica para o insucesso. Não, o que me afastou do Sporting neste jogo foi consequência do aviso apocalíptico de Bruno Prata: "O pior que pode acontecer a uma equipa é perder o seu carácter". O Sporting perdeu o seu, e isso angustia-me bem mais que qualquer outra coisa.
Vejamos: Não me interessa ganhar de qualquer maneira, como tentou Octávio, ao transplantar para Alvalade a ditadura defensiva em que se formou. Interessa-me ganhar e perder "à Sporting", com aquela aura de cavalheirismo anacrónica - a do Barbosa -, com a sensação de que os tipos que andam no relvado podem não ser os melhores do mundo, mas são os nossos e, mais que isso, sabem o que é que isso quer dizer. Não falo, obviamente, de qualquer sentimento de pertença tribal ou de associação semi-fascizóide a um símbolo. É algo superior a isso, como que um bairrismo do espírito: É, por exemplo, ver os primeiros minutos de De Franceschi em Alvalade e perceber imediatamente que era um gajo do Sporting; é lembrarmo-nos ainda, oito anos depois, que só um sportinguista como o Vidigal se poderia atirar de cabeça a um petardo assassino de um gajo do Porto, sem receio de danos cerebrais, no prolongamento da final da Taça de 2000. Resumindo, falta Sporting a este Sporting - e por isso, tenho receio que o sacrilégio de ver um jogo sem o ver realmente se repita nos próximos tempos.
Quem são os culpados da situação? Deixo as respostas para a restante malta da roulote que eu, em respeito pelo nick assumido, limito-me a saltar para cima do banco de suplentes de Paranhos e, tudo emoção despida de qualquer racionalidade, cantar um "O Sole Mio" tão desafinado quanto tocante.
Ainda assim, recomendaria a Soares Franco, que é o muito moderno, muito "marketeer" presidente do Sporting que lhe dedica uma hora por dia (eu não trabalho no Sporting e o meu cérebro ocupa-se dele uma média de 12), a leitura deste livro (só para ver se percebe um par de coisas):


Duvido, contudo, que o digníssimo Presidente sportinguista e sua trupe de indistintos executivos saiba do que fala Peyroteo (e Peyroteo ele mesmo, saberão quem foi?)

1 comentário:

Anónimo disse...

Voce tem memso uma copia do livro de Peyroteo???