terça-feira, 29 de janeiro de 2008

E você, é dono do seu clube?

A imprensa desportiva informa-nos hoje que Pini Zahavi é o novo representante de João Moutinho. Zahavi é igualmente, como nos informa o Record, tio-avô de Alexander Zahavi, jovem extremo da formação do Sporting. Até aqui tudo legitimo. A única coisa que esta troca indicia é a clara vontade de João Moutinho em trocar de ares. Zahavi é, porém, mais do que um simples empresário de jogadores e o seu percurso lança algumas questões não apenas sobre as formas de gestão e organização do futebol contemporâneo, mas também sobre o futuro do próprio Sporting. Como se pode verificar num excelente e completo artigo do Guardian, Zahavi começou, à semelhança de Freitas, como jornalista desportivo, tendo posteriormente transitado para as funções de empresário de jogadores, depois de algumas bem sucedidas transferências de jogadores israelitas para o campeonato inglês e entre clubes ingleses. Nos tempos mais recentes ficou conhecido por motivos bastante diversos mas quase sempre ligados entre si. Pela sua ligação a Kia Joorabchian, proprietário da MSI, uma espécie de fundo de jogadores que em 2004 assumiu o controlo do histórico clube brasileiro Corinthinas, agora a navegar pelas águas da segunda divisão, depois de se ter sagrado campeão em 2005 e de um ano após a entrada do MSI as suas receitas terem aumentado em 500%. Este fundo é também o responsável pelas polémicas trasnsferências de Mascherano e de Tevez da Argentina para o Brasil e dali para o West Ham (clube que o MSI tentou adquirir sem sucesso), em contornos que nunca chegaram a ser esclarecidos. Assim o interesse deste grupo de pessoas pelo mundo do futebol passou rapidamente das transfrências de jogadores para a produção dos mesmos e para o controle dos clubes. Diz-se que Zahavi, também bastante próximo de Berezovsky (um outro oligarca russo) terá desempenhado um papel fundamental na aquisição do Chelsea por Abramovich e do Portsmouth por Alexander Gaydamak, filho de Arcadi Gaydamak. Alexander dirige o clube porque o seu pai, envolvido num escândalo de tráfico de armas conhecido por Angolagate, não pode sair de Israel (onde fundou um partido político e é dono do Beitar Jerusalém) porque tem um mandato de captura internacional às costas. Tanto Chelsea como Portsmouth eram clubes à beira da falência que encontraram nestes investidores uma fuga da morte certa. Nas palavras do próprio Zahavi, quando interrogado no referido artigo do Guardian: 'What was Chelsea before Roman came?' he asked, rhetorically. 'It was two days before going bankrupt. The situation was a disaster. The chief executive at the time [Trevor Birch] came and he really begged. "Help me," he said. "We cannot pay the salaries." Now, Chelsea are one of the best teams in the world. And that's because of Roman Abramovich's money.'Portsmouth were on the way to crash down, not to the first division, but to the second or third. Now they are doing well. Because, I did terrible things! No, all I did was manage to bring somebody who could put his own money into the club. Show me one club in England run by totally British people that is not a business. Of course, a football club is a business that serves the community, but it is still a business. Finalmente o grande interesse parece estar na descoberta de novos talentos no que poderíamos apelidar de mercados emergentes: " He has a network of scouts and associates working for him around the world, notably in Africa, which he considers to be 'the major zone of football. I don't think that Europe will produce too many [new] players. The big ones will come from Africa and South America, which is why I do so much work in Brazil and Argentina.'"
Onde é que o Sporting encaixa nisto tudo? Talvez na parte da produção de jogadores, nos mercados emergentes e no clube à beira da falência. Independentemente do que possa suceder, e não sei minimamente se é intenção de Zahavi adquirir o Sporting, a verdade é que a passagem do Estádio e da Academia para a SAD e o posterior aumento de capital pode gerar situações deste género, com personagens tão, ou ainda mais, recomendáveis como o Sr. Zahavi a fazerem do clube o que bem entenderem sem que tenhamos qualquer possibilidade de interferir seja de que modo for na vida do clube. A não ser como consumidores, como é evidente.
Numa linha menos clubista estes casos revelam duas dinâmicas que merecem ser pensadas com maior cuidado. Por um lado, uma espécie de regresso dos mecenas, de que Abramovich é o exemplo mais perfeito, que nos deve levar a interrogar sobre o que será dos clubes depois de os mecenas encontrarem um brinquedo novo ou deixar de existir dinheiro para lavar? Em segundo lugar as implicações destes fenómenos para aquilo a que com muitas dúvidas poderemos chamar de "verdade desportiva". Se a história do futebol é também a história de uma progressiva divisão social do trabalho, de especialização de funções e de autonomização dos diferentes tipos de agentes envolvidos, como poderemos avaliar os "verdadeiros" interesses deste tipo de personagens, simultaneamente empresários, donos de diversos clubes, muitas vezes de meios de comunicação social (relembro a tentativa de aquisição, chumbada pelo governo inglês do Manchester United por Rupert Murdoch)?

P.S. Aconselho vivamente a leitura do artigo do Guardian sobre Zahavi.

7 comentários:

JPS disse...

Luizinho:

Muito bem pensado e melhor escrito.

O problema da vinda dos mecenas (não confundir com o Messias), é a sua sustentabilidade. Aquilo que segura os clubes é a sua base social de apoio: os sócios. Quando se trocam sócios por mecenas, os títulos podem até aparecer no curto prazo, mas o que acontece quando o brinquedo deixar de agradar ao mecenas?

O que acontecerá ao Chelsea depois de Abramovich partir, seja porque se fartou, seja porque desistiu de enterrar dinheiro? Provavelmente, o mesmo que aconteceu ao Chorintians...

João Ferreira de Matos disse...

Caro Luizinho,

Embora compreenda o dilema, acho que preferia ser sócio de um Sporting "à la" Chelsea, mesmo não sabendo qual era o dia de amanhã, do que ser sócio de um Sporting "à la" Belenenses, sabendo bem o que seria o dia de hoje.

Saudações leoninas

Anónimo disse...

Lamento pelo Moutinho. Os Zahavis da vida é que vão matar o que resta do encanto do futebol, enquanto espectáculo. E os Moutinhos vão ser reduzidos à sua condição de mercadoria descartável a prazo... Não ter consciência disto é estar a contribuir para a sua própria mercantilização...

Luizinho disse...

Caro Visconde,

Se me permite, não penso que compreenda o dilema porque no meu caso ele não existe. E a sua própria escolha padece de um equívoco de base, que penso ser partilhado por muitos. Não existem sócios do Chelsea ou do Manchester. Quanto muito existem "season ticket holders" que não são mais do que o seu título indica. Isto é, não existem sócios do Manchester como não existem sócios da Teixeira Duarte ou da Sonae. são empresas com accionistas e conselhos de administração. Exise uma história engraçada com os adeptos do Newcastle, que fartos da forma como o clube era gerido solicitaram que lhes fossem entregues alguns lugares no conselho de administração. O CA respondeu dizendo que os clientes dos centros comerciais também não gerem os centros comerciais. Ao que o adepto do Newcastle, por sua vez, replicou com o facto de os clientes dos centros comerciais não passarem horas a discutir o centro comercial ou comprarem camisolas do mesmo.

Por outro lado, também não partilho da ideia que ganhar seja tudo, embora como é evidente os títulos me dêem tanto prazer como ao próximo. Ganhar com um clube que serve de lavandaria para os lucros resultantes de tráfico de armas ou da exploração imoral de oleodutos ou gaseodutos em paíes pobres, ou não, não é coisa que me deixe indiferente.

E como dizem o anónimo e o JPS este tipo de modelos para além de serem altamente voláteis, colocam em causa tanto a sobrevivência dos clubes como a médo prazo do próprio desporto, transformado em máquina de fazer dinheiro mais do que em competição e espectáculo. A este propósito sugiro uma visita rápida ao blog da Ofensiva 1906 que reproduz algumas declarações de Michel Platini.

Luizinho disse...

Só mais uma coisa. Para além das questões formais e morais, existe outro aspecto que não é de somenos importância. Mesmo considerando que o Sporting se poderia tornar num MU ou num Chelsea acho que vale a pena olhar para a evolução do preço dos bilhetes em Inglaterra e para a composição social dos estádios. Estas transformações têm dois efeitos. Pessoas como eu, e imagino que o Visconde, são corridas dos estádios e remetidas para a SKY ou a Sporttv e os cafés. Ora, eu gosto de ver a bola no estádio...
Por outro lado transforma o próprio ambiente nos estádios. Não é por acaso que Fergusson, como o próprio Mourinho, se queixam da falta de apoio dos adeptos. Se reparar ainda é nos pequenos clubes da primeira divisão inglesa, com um forte componente localista e operária que a intensidade do apoio dos adeptos é mais evidente. Nos clubes cosmopolistas que apontam para um mercado global de transmissões televisivas e merchanding e que procuram acomodar no seu estádio as afluentes mas silenciosas novas burguesias urbanas o apoio sai da carteira, não do coração e da voz.

Raul Henriques disse...

A grande questão que se põe, hoje em dia, aos adeptos é a de qual é o seu papel no mundo do futebol. Sendo certo que este não existe sem eles, as recentes mercantilizações (ou mesmo mercenarizações) de cada vez mais aspectos do seu mundo, corre o risco de asfixiá-lo.
Daqui que se torne cada vez mais premente que, de uma participação caracteristicamente passiva (assistir aos jogos), os adeptos (sócios ou simpatizantes dos clubes) se venham a mobilizar de modo a terem participação activa na vida dos seus clubes.
Sugestões como a imposição de um Provedor dos sócios no nosso clube são sensatas e podem vir a constituir uma arma dos sócios face a decisões fundamentais que lhes estão a escapar.

Raul Henriques disse...

Desculpem o erro de concordância; em vez de "corre", leia-se "correm".