quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Golavrás, indigenização e as voltas de Mestre Cândido na tumba

Durante a infância interroguei-me de forma cobarde sobre o significado do termo golavrás, o aportuguesamento da expressão inglesa goal-average. Digo cobarde porque apesar de cedo ter compreendido que se tratava de uma fórmula de desempate entre equipas em situação de igualdade pontual não fui, até tempos bem recentes, capaz compreender o seu significado: nem a etimologia da palavra, inteiramente estranha aos meus ouvidos, nem o modo como se processaria o tal sistema de desempate. Nem nunca tive coragem para perguntar a quem quer fosse o seu significado. Porém, para onde quer que escutasse lá estava a palavra. Golavrás para aqui, golavrás apara ali. Vicissitudes existenciais várias levaram-me a travar contacto com o sistema do futebol português e a obra do antropólogo Arjun Appadurai, "Dimensões culturais da globalização, a modernidade sem peias". Appadurai considera o conceito de indigenização fundamental para compreender a globalização dos desportos anglo-saxónicos e em especial o entusiasmo com que são vividos em contextos pós-coloniais. Referindo-se ao caso do críquete na Índia e interrogando-se sobre como uma uma prática tão profundamente britânica acaba por se tornar um dos símbolos nacionais e um dos lazeres preferidos de uma ex-colónia o autor vê na indigenização o instrumento essencial para a apropriação do críquete por parte dos comedores de chamussas. O que é então a indigenização? No fundo, e para sermos levemente tautológicos (como o futebol português, diga-se), a indigenização é uma espécie de vernacularização. Isto é, tornar próximo algo que é à partida distante e estranho. Entre muitos outros factores, Appadurai destaca a questão linguagem. Para resumir com exemplos concretos trata-se de transformar o linesman em bandeirinha. O off-side em fora de jogo. O goal em golo, mas também em baliza. A chilena em pontapé de bicicleta.
Em Portugal, no chamado tempo das "balizas às costas", um conjunto de homens, entre os quais se destacava Mestre Cândido de Oliveira, levaram a cabo essa épica e impensável tarefa, oferecendo-nos para a posteridade o futebol português. Inventaram a imprensa e os clubes. A espelunca que hoje responde pelo nome de A Bola (que encontra entre os seus fundadores Cândido de Oliveira e Ribeiro dos Reis) foi durante os seus primeiros vinte anos de vida um projecto jornalístico, desportivo, cultural e estético absolutamente deslumbrante. Acabaram com o amadorismo farsola e diletante das equipas de Carcavelos e impuseram o futebol moderno e competitivo. Criaram uma linguagem própria para o futebol em Portugal e libertaram-na do peso arrogante e da estranheza exótica dos anglicismos. Escreveram livros sobre tácticas que ainda hoje continuam actuais. No final da II Guerra Mundial o Campeonato Nacional de Futebol, à revelia dos medos e interesses do Estado Novo (que recorde-se enviou Mestre Cândido para o Tarrafal, donde voltaria para treinar os Cinco Violinos) e à boleia do entusiasmo popular, era uma realidade. Mais tardia do que na maioria dos países mais "modernizados" da Europa, mas uma realidade de qualquer forma. Daqui para a frente seria de pensar no avanço do futebol português e no seu aperfeiçoamento gradual. No seu progresso. Na progressiva clarificação dos regulamentos e no acentuar da sua competitividade, que resultaria também de um desenvolvimento económico, político e urbano mais equilibrado. Tudo falsas esperanças. Entregues aos Hermínios, aos Lelos, aos Laurentinos, aos Madaís, Valentins, Mesquitas e a muitos outros da mesma extracção damos por nós a discutir conceitos que já nem os inventores do jogo utilizam. São cinquenta anos de trabalho que dia-a-dia são mandados para o lixo. Um final previsível para uma posta que cansa o leitor. Mestre Cândido deve estar a dar voltas na tumba. Por cá a indigenização não passa de uma corruptela.

3 comentários:

Anónimo disse...

desculpa lá, mas que post sem sentido.

Anónimo disse...

olha!... um anónimo com um neurónio!

eu, que tenho dois, percebi perfeitamente.

Anónimo disse...

ó eusébio lampião, eu não disse que não percebi. eu disse é que não fazia sentido. só deves ter mesmo dois neurónios ...